"Arena" aberta em primeira mão na Flamenga

Cinema, notoriedade e frio produziram terça-feira à noite um cenário inédito no Bairro da Flamenga, na zona lisboeta de Chelas, para assistir à primeira mostra pública de um filme que conquistou um dos mais importantes prémios de cinema do mundo.
Publicado a
Atualizado a

Algumas centenas de pessoas, incluindo "muita gente de fora", assistiram à ante-estreia num local onde foi rodada "Arena", do realizador português João Salaviza, que conquistou este ano a Palma de Ouro para curtas-metragens no Festival de Cannes, França.

Cadeiras esgotadas na plateia improvisada ao ar livre, muita gente nas varandas, a exibição acabou com uma salva de palmas depois dos 15 minutos de filme terem sido ouvidos quase em silêncio, num bairro onde falar alto aparenta ser um trunfo.

Aparícia Assunção, 28 anos, viu o filme com os três filhos pequenos da passagem aérea entre dois prédios, de onde o protagonista do filme atira uma bicicleta. As cenas de interiores com que começa a obra foram rodadas no apartamento ao lado do seu.

"Às vezes foi um bocado incomodativo", reconhece, referindo-se aos "quase dois meses" que duraram as filmagens e em que para entrar em casa teve que espera muitas vezes que afastassem os "equipamentos".

A mãe de xaile, os filhos sentados no chão, em cima de uma espécie de cobertor, com gorros e encasacados para evitar as "pontadas" de frio, resistiram à nortada enquanto puderam. No final, já lá não estavam para dizer se as evidentes expectativas tinham sido correspondidas.

Lá em baixo, um grupo de jovens de bonés na cabeça, brincos em abundância mas discurso mal articulado, afirmam que vêem na rodagem do filme uma oportunidade a repetir: "Venham cá mais vezes que a malta precisa ser actores", atira um. "Aparecer na televisão é bom", reforça outro.

Sónia Alves, 28 anos, ex-mediadora socio-cultural no conhecido Bairro da Cova da Moura e funcionária do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, moradora há 12 anos na Flamenga, interrompe os vizinhos e impõe-se afirmando à Lusa que a zona de "Chelas tem de tudo um pouco como os outros bairros".

Acusa os jovens presentes de não saberem valorizar o bairro quando falam com jornalistas e contrapõe um discurso articulado. Aconselha o repórter a falar com a "Tia Preta", que apresenta como a figura mais carismática do bairro.

Lisete Baessa, 57 anos, secretária de profissão, confirma a expectativa e apresenta-se como uma fonte de energia, ternura. Alegria, outra meia dúzia de qualidades mais e de..."tia" de quem lhe bater à porta.

Vai dizendo que o filme é "bom para o bairro", que a ante-estreia ali "é uma forma de unir as pessoas" e que as retira da "rotina" mas a conversa foge-lhe sempre para os meninos que tocam à porta. "Hoje juntaram-se lá 15. Alguns vão só receber um beijinho, um carinho".

Acaba a dizer que "uma tia em cada bairro fazia bem".

No final do filme pôde constatar que aquelas jovens personagens que transpiram violência cresceram num bairro onde nunca devem ter tido uma porta onde bater para receberem um beijo de uma tia assim.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt